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Folha Espírita – agosto de 1974

A reencarnação, as coisas simples da vida e a importância da fé

Uma entrevista séria com Golias, o artista da alegria

Reportagem de Marlene Rossi Severino Nobre

Folha Espírita tem procurado personagens destacadas de nosso mundo artístico, desportivo, literário social para entrevistas diferentes, buscando focalizar, sobretudo, experiências importantes no campo espiritual. Não estamos interessados em rotular nossos entrevistados como espíritas. Desejamos, sinceramente, deixar o cárcere do dogmatismo feroz e abrir novas perspectivas, para muitas almas interessadas em conhecer algo mais no setor quase inexplorado das faculdades espirituais.

Nestes depoimentos, colhemos fatos, impressões e conceitos que influenciem positivamente o comportamento dos homens para uma vivência cristã. Viver segundo o Espírito é um imperativo nos dias que correm, principalmente porque a maior parte dos distúrbios e conflitos psicológicos, emocionais e psiquiátricos tem seu fundamento no grande desnível entre as conquistas do intelecto e as aquisições do sentimento.

Extraordinárias conquistas tecnológicas e científicas e acanhadas aquisições de sentimentos nobres – eis o triste saldo do homem na sociedade contemporânea, assustado ante as perspectivas da guerra atômica, desesperado perante suas próprias dores. Para falar de uma nova civilização, onde os valores espirituais – o bem, a caridade, o amor – serão cultivados com renovada esperança, trazemos para você aqueles que acreditam na sobrevivência do Espírito após a morte física e, mais que isso, lutam pela implantação do reino espiritual entre os homens, construindo o admirável mundo do homem espiritualizado.

Golias estava sério, muito sério mesmo. A princípio, a conversação desenrolava-se com certa formalidade. O artista preocupa-se com a reportagem. “Talvez seja esta uma das coisas mais sérias que eu já tenha feito em toda minha vida”, afirmava ele a certa altura. Mas com o tempo, o ambiente de cordialidade se estabeleceu completamente. Pergunto se em sua família existe a convicção espírita. “Sim, tenho na família avós e tios espíritas, que já vem de gerações. Meu tio Albano Rayel é de São Carlos, ele tem conhecimento profundo de espiritualismo, como Romeu de Campos Vergal e Chico Xavier. Ele estaria muito mais apto para lhes dar esta entrevista”.

Encontro em Uberaba

“Fui visitar Chico Xavier à 1 hora da manhã”, prosseguiu, “logo após o término de um de meus shows em Uberaba. Batemos um longo papo. Havia uma comitiva de São Carlos nessa noite. Conversamos muito, e em meio à conversa contei a piada do jardineiro: havia um arquimilionário que morava em uma mansão espetacular, vivia preocupado, nervoso, tinha úlcera e uma série de aborrecimentos. Ele observava de sua janela todas as manhãs o seu jardineiro, homens simples, que vivia assobiando. Um dia o homem rico teve uma ideia, fez um buraco no jardim e colocou um saco de moedas de ouro. Lá pelas tantas, o jardineiro percebeu algo estranho no solo e, como estivesse sozinho, cavoucou mais. Não deu outra coisa, era o saco de moedas de ouro. De lá para cá nunca mais assobiou”. “Não é o seu caso, Golias”, interrompo a narrativa com a exclamação espontânea. “Bem, eu procuro ficar entre o jardineiro e o homem rico”.

Cada um de nós um Chico Xavier

“Junto de Chico Xavier, recolhemos exemplo maravilhoso de filosofia de vida. Seria muito importante que cada um de nós fosse um Chico Xavier. Naquela noite, Chico fez questão que eu retirasse minhas malas do hotel e fosse dormir em sua casa. Após a reunião, fomos até a cidade para um cafezinho no “1001”. Eram quatro horas da manhã quando nos recolhemos. E deu-se comigo um fato muito interessante. Eu tinha que tomar o avião às sete horas da manhã. Como tenho muita necessidade de dormir oito horas, em geral não durmo quando tenho pouco tempo assim, com medo de perder a condução de volta. Mas nessa noite foi diferente. No quarto reservado para mim, havia duas camas. Chico falou com muita segurança a amabilidade ‘agora você vai dormir nesta cama e na outra você vai deixar todas as suas preocupações’. Deitei mesmo, dormi profundamente e só acordei de manhãzinha ao ouvir uma melodia muito suave. Estava feliz da vida”.

A importância da fé

“Admiro muito meu tio Albano. Ele procura agir rigorosamente dentro do espiritualismo. É muito bom a gente ter fé. Acredito que a vida traz o carma e temos de enfrentar todas as nossas tarefas com resignação e compreensão. Vivemos em uma época em que se evidencia o trabalho do espiritualismo. Por exemplo, apenas 2% da população pode pagar um tratamento psiquiátrico ou psicanalítico, os outros noventa e oito por cento não têm condições para recorrer a um auxílio desses, e, nesse caso, o espiritualismo tem condições para oferecer, gratuitamente, o grande apoio que a pessoa está precisando. Os próprios psiquiatras e psicanalistas, a meu ver, deveriam aproveitar o serviço gratuito que as escolas espiritualistas têm para oferecer”.

O amigo que não conheci

“Acredito no prosseguimento da vida após a morte e também no grande trabalho espiritual que vivo a nos policiar”. Pergunto se ele tem alguma experiência a contar.

“Sim”, responde Golias. “Quando eu comprei a nossa fazenda, desejava homenagear Lúcia, minha esposa, por toda a sua dedicação, pois desde o início de minha carreira, ela ficava me esperando até tarde, dividindo comigo as horas de sacrifício; desejava também colocar o nome de nossa filhinha Paula, fazendo, assim, uma fusão dos dois nomes queridos. Mas, de comum acordo com Lúcia, decidimos dar o nome de Rampa. É um amigo que eu tenho, que eu não conheci em vida. Acredito que ele tenha ficado satisfeito com isso. Peço ao Rampa porque sei que ele já viveu e acredito também que ele me dê boas intuições. Não quero dizer com isso que eu passe minhas responsabilidades para ele, absolutamente, mas sei que ele pode e tem me dado boas intuições”.

Não há vitória sem muito trabalho

Golias vive em uma residência bastante confortável. Estamos no terraço usufruindo o sol e a tranquilidade do verde em uma destas tardes de inverno. Indago se ele conseguiu tudo isso na base do trabalho artístico.

“Sim, não conheço vitória em qualquer campo sem muito trabalho. Acho a máxima ‘ajuda-te que o Céu te ajudará’ perfeita. Nós temos o dever de lutar, porque trazemos dentro de nós a potencialidade divina. Por exemplo, cada um de nós brasileiros representa o governo em suas obrigações. Temos o dever de auxiliar o governo, tornando-nos cidadãos úteis e responsáveis. Se nossa responsabilidade é grande em nosso trabalho, talvez a do homem que nos contrata é muito maior que a nossa. Por isso devemos em nossas tarefas procurar compreender as pessoas”.

Golias traz dentro de si uma riqueza espiritual muito grande. Desejamos extrair ao máximo muitos dos seus conceitos de vida, por isso deixamo-lo à vontade, livre para falar o que desejasse. E aqui estão alguns dos seus apontamentos muito oportunos.

O cuidado com os homens do campo

“Sempre desejei ter uma fazenda, eu a consegui, mas sei que ela me foi dada como um empréstimo, as forças espirituais estão me policiando para ver o que eu vou fazer dela. Estou certo de que tenho de cuidar muito bem dos homens que semeiam a terra e cuidam dos alimentos. Quando vamos ao supermercado, não devemos nos esquecer dos homens que trabalham anonimamente e com muito sacrifício para nos dar todo o conforto que desfrutamos”.

Todas as religiões são respeitáveis

“Respeito todas as religiões. Não acredito apenas em nossa filosofia. O padre, por exemplo, dá ótimos conselhos ao casal, fala dos grandes problemas que eles vão ter de enfrentar durante toda a vida. Devemos ter o máximo respeito por todas as religiões porque o propósito delas é o mesmo”.

Do homem-computador ao homem-fraterno

“Os homens não devem se tornar máquinas, nesta época em que o progresso na indústria, na agropecuária, nos meios de comunicação os impele para um grande avanço intelectual. Paralelamente a este desenvolvimento técnico deve haver o progresso espiritual. Nos dias de hoje, no mundo da velocidade, em que agimos, temos de vigiar nossa conduta para que não nos tornemos computadores. É preciso ouvir o que as pessoas têm a dizer. O ser humano é muito importante. As crianças, principalmente, precisam de muito amor. Ainda o amor é a melhor arma para se vencer na vida”.

Valor das coisas simples

“Você se lembra das pessoas que o auxiliaram há muito tempo? Do alfaiate que lhe fez um terno uma vez? Você já se deu conta de que a caixa de uva que você joga fora pode servir para o carpinteiro ou para a casa do pobre que precisa de lenha? Você tem um cobertor, mas já pensou que muita gente não tem nenhum? O equilíbrio na vida é muito importante: você não pode se alimentar somente com a parte espiritual, mas com a força da alma você pode comer apenas o necessário para viver”.

Reencarnação

Golias, você acredita que vivemos muitas vidas?

“Acredito que a nossa permanência na Terra pode ser feita em muitas prestações. A minha missão é fazer as pessoas sorrirem. Estou cumprindo esta tarefa da melhor forma possível, procurando executá-la com bastante honestidade, e muito respeito”.

Dicionário dos problemas quotidianos

Você teria algum depoimento a fazer sobre os livros recebidas por Chico Xavier?

“Esses livros são sensacionais. A gente aprende muitas coisas com eles. Os espiritualistas sabem, por exemplo, que até em uma batida na rua existe um serviço de assistência médica espiritual funcionando ali, e eu acredito nisso. Gostaria de destacar dois livros principalmente: Agenda cristã, do André Luiz, e Sinal verde, este último eu chamaria de dicionário dos problemas quotidianos, acho-o muito importante”. Despedimo-nos de Lúcia e Golias. Ele agora sorria, amplamente. Espero tê-lo fixado para você sob outro ângulo, aquele que você não vê comumente: o sério, filósofo, o amigo leal, Ronald Golias.

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