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A cremação e o Espiritismo

São Paulo crema seus “mortos”

No mês passado, começou a funcionar, em Vila Alpina, na capital de São Paulo, o primeiro crematório brasileiro. As câmaras aquecidas a gás de petróleo reduzem os corpos a pequenas porções de cinzas. Depois de atingir 800 graus centígrados, o forno necessita de 50 a 60 minutos para reduzir uma pessoa de 70 quilos a 2 quilos de cinzas, que são depositadas em uma urna especial e retiradas pelas famílias dos mortos para serem sepultadas ou espalhadas pelos parques e jardins que circundam o crematório.

Tudo foi preparado para dar um sentido mais natural à morte. As autoridades municipais procuraram executar o projeto tendo em vista a modificação do conceito de morte entre os paulistanos. A arquiteta Ivone Macedo Arantes – autora do projeto do prédio – procurou criar um clima de humanidade e beleza. O edifício encontra-se em meio a 150 mil metros quadrados de terra vermelha – onde os funcionários da prefeitura preparam jardins pitorescos, com árvores típicas da nossa região, por entre alamedas floridas.

O prédio conta com um hall de entrada espaçoso, um anfiteatro ou capela ecumênica – uma sala oval com painéis de cristal revestidos com 1.400 metros de renda branca de algodão; um alçapão em redor do qual ficam cem poltronas. Por todos os recantos, os 18 alto-falantes irradiam músicas suaves, que convidam à meditação e à prece.

Segundo pesquisa realizada, 65 por cento dos paulistanos são favoráveis à cremação. Nenhuma religião, ao que parece, se opõe a ela. Na Europa já é um costume adotado desde 1400 antes de Cristo.

A prefeitura espera a adesão do paulistano ao processo, que já conta com a preferência de 50 por cento da comunidade europeia, o que representará, sem dúvida, um desafogo para os cemitérios da Grande São Paulo, já superpovoados, com problemas constantes na corrente de tráfego e na utilização de áreas importantes que teriam, assim, um melhor aproveitamento urbanístico.

Ponto de vista espírita

Quando observamos, hoje, a luta de algumas criaturas para permanecerem na Terra, através do congelamento de seus corpos, na ânsia de se subtraírem aos imperativos da morte física, nós, espíritas, sentimo-nos bastante reconfortados pela naturalidade com que encaramos a constrição biológica do colapso orgânico. Pelo menos, os ensinamentos espíritas, baseados em conceitos filosóficos, religiosos e científicos da mais alta lógica, permitem ao Espírito encarnado a exata dimensão dos conceitos berço-túmulo.

Causa espanto a muita gente a maneira dos velórios espíritas – a chamada indiferença pelo morto (muitas pessoas julgam assim) –, pois não há os delírios do choro interminável, as longas e fúnebres velas, o ambiente carregado de atmosfera passional com que se costuma impregnar o defunto. Antes do crematório, era possível distinguir-se os túmulos das pessoas de convicção espírita pela absoluta singeleza, apenas uma lápide humilde sem o peso dos túmulos de mármore, verdadeiras obras-primas de lavor artístico, mas que de nada adiantam ao Espírito do morto, pelo contrário, pesam-lhe de forma constrangedora.

Há dispêndio de dinheiro – às vezes são gastas verdadeiras fortunas na confecção dessas lápides –, que poderia ter sido aplicado em benefício das criancinhas desafortunadas deste mundo, minorando-lhes o sofrimento com roupas, agasalhos e educação. E, assim, a família do chamado morto estaria contribuindo para o bem-estar espiritual da criatura querida, no mundo sem adeus, a verdadeira pátria, onde todos nos reuniremos um dia. O livro dos Espíritos (questão 823) esclarece muito bem este ponto, afirmando que os túmulos suntuosos são “o último ato de orgulho” do homem.

Mas, e a cremação, como a coloca o Espiritismo? Emmanuel, nosso instrutor espiritual, é bem claro a esse respeito: “Na cremação, faz-se mister exercer a piedade com os cadáveres, procrastinando por mais horas o ato de destruição das vísceras materiais, pois, de certo modo, existem sempre muitos ecos de sensibilidade entre o Espírito desencarnado e o corpo onde se extinguiu o “tônus vital”, nas primeiras horas subsequentes ao desenlace, em vista dos fluidos orgânicos que ainda solicitam a alma para as sensações da existência material”.

O forno crematório de Vila Alpina possui várias câmaras frigoríficas, possibilitando assim, aos espíritas, a utilização dele, se o desejarem. Seria bastante razoável a espera de 72 horas, a fim de se processar a cremação, mas, para nós espíritas, não há impedimento algum de que as vísceras orgânicas sejam incineradas. Pelo contrário, seria bastante poético e mesmo confortador espalhar nossas cinzas por entre o gramado verde, em meio a bosques e flores, onde os pássaros felizes buscassem o néctar de nossa própria vida, para continuarem o ciclo extraordinário das grandes transformações…

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