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ir(Tradução e notas de Henrique Domingues). Uma voz do além, triste e suplicante, rompeu o silêncio do convento para revelar seu segredo. “Sou uma alma que está ‘penando’ há quarenta anos e me encontro no ‘purgatório’ por haver dissipado bens eclesiásticos”. E por vários dias seguidos, deixou dez liras na “roda” que ele mesmo fez girar, desaparecendo em seguida. Nenhuma das freiras se surpreendeu, embora todas as portas da sacristia estivessem fechadas e nenhum ser humano pudesse entrar naquele sombrio recinto.
Não era a primeira vez que as freiras viam a “roda” girar, encontrando nela o bilhete de dez liras, sem que nenhuma mão humana tivesse intervindo. Na realidade, aquilo já passara a ser habitual no mosteiro italiano de São Leonardo de Montefalco e já haviam apelidado aquela alma penante de “animucha”.
Desde o dia 18 de agosto de 1918, em que a irmã Maria de Jesus foi eleita “priora”, essa singular visita se repetiu vinte e oito vezes (28) ao longo de quatorze meses (14), deixando uma soma total de 300 liras, equivalente a mais de 300.000 liras de hoje. Durante as primeiras aparições, a voz se mostrou pouco explícita, limitando-se a tocar a campainha da sacristia e deixar seu donativo, fazendo girar a “roda”. Sua voz era breve: “Devo deixar aqui esta esmola”; “A oração é sempre boa”; “Deixo o pedido para orações por um defunto…”.
Em princípio, as freiras pensaram que isso se devia a algum intruso que tivesse logrado penetrar na paz do claustro, embora jamais alguém tivesse conseguido isso. Também se negavam a recolher o dinheiro, por temer que aquilo fosse uma artimanha do “diabo”. Embora aceitando que uma alma penante pudesse produzir ruídos, palavras e fazer mover a “roda”, como poderia fazer o “transporte” de uma nota de dinheiro de curso normal?
As “autorizadas” palavras do teólogo jesuíta padre Bianchi conseguiram tranquilizar aquelas temerosas servas do Senhor, explicando-lhes que “a matéria pode desmaterializar-se, participando da qualidade do abstrato, e voltar de novo a condensar-se de tal maneira que é possível conservar seu primitivo aspecto”. A moderna parapsicologia denomina essas materializações como “aportes” e os estuda como fenômenos de “hiloclastia” (do gr. hyle –matéria + klástes, quebrar ou submeter).
Na casuística dos fenômenos, já foram registrados casos de “aportes” dos mais diversos objetos e matérias, como pedras, perfumes, flores, ramos, folhas, moedas, cravos etc. Assim, o padre jesuíta descartou a possibilidade da intervenção do “diabo” nesses fatos, que foram constatados por personalidades da Igreja Católica e publicados com o “imprimatur” do vigário-geral da Cidade do Vaticano.
A documentação desse caso e de outros estarrecedores se encontra em um insólito museu privado, instalado junto da sacristia da Igreja do Sagrado Coração do Sufrágio, em Roma. Não é fácil que o deixem visitar e muito menos fotografar. É evidente que se trata de evitar que simples curiosos conheçam aquelas preciosas provas da ação dos Espíritos sobre a matéria, precavendo-se assim contra levianos juízos desprovidos de um mínimo rigor científico a respeito dos homens que acreditaram na autenticidade das provas expostas.
Sobre a delicada questão da validez dos documentos e testemunhos, disse o monsenhor Benedectti, um dos sacerdotes que teve a seu cargo o Museu, que é preciso evitar gente que a princípio se limita a encolher os ombros com um sorriso de incredulidade ante as manifestações sensíveis do além, negando rotundamente o fato. Essas pessoas – continua – agem com leviandade. Na realidade, não é justo rechaçar sem prévio exame o testemunho de pessoas dignas de crédito, cujas virtudes foram reconhecidas pela Igreja Romana. Não se pode negar a possibilidade da comunicação com as almas do purgatório, com permissão divina. Por outra parte, existem pessoas que reconhecidamente encontram o sobrenatural sempre e em toda parte, inclinadas a uma devoção quase enfermiça. Empenham-se em ver sempre e em toda parte manifestações sobrenaturais, visões e revelações. “Nem intransigência, nem fanatismo, nem indiferença”, conclui o monsenhor Benedectti, “mas seriedade e respeito para a sinceridade de quem honestamente relata e afirma para proveito dos que estudam, investigam e examinam”.
E como surgiu esse pequeno “museu dos Espíritos”, das almas do purgatório? Ao que parece, a ideia do museu partiu do padre Jonet, quando depois de um “pequeno incêndio” que se produziu na antiga igreja no dia 15 de setembro de 1897, observou que, na capela consagrada à Virgem do Rosário, as chamas haviam formado sobre a madeira a imagem de um rosto atormentado. Os frequentadores começaram a indagar acerca daquela imagem desconfiada, com expressão fisionômica dura, que tinha no alto uma formação pontiaguda como uma gola de batina em uso na época e uma orelha de aspecto demoníaco. Capricho da natureza? Intervenção de forças desconhecidas? O certo é que a aparição daquela inquietante figura, pôs em marcha, como um sinal da Providência, uma ambiciosa operação de busca e pesquisa pela França, Alemanha e Itália de sinais visíveis das almas do purgatório.
Se analisarmos detidamente os diferentes casos expostos (280) no Museu, é possível comprovar que tudo está submetido ao signo do fogo. Efetivamente, com exceção do caso relatado no início deste trabalho, todos os fatos têm em comum marcas de fogo deixadas por “aparições” sobre livros piedosos, roupas de vestir, objetos de uso comum, papel e tecidos. O fogo, uma vez mais, é o protagonista dos fatos misteriosos conectados com o transcendental.
Um fantasma com aparência de mulher aparece a Margarita Demmerlé. Entre as arcadas cheias de sombra, traz um olhar triste. Pelas pregas de seus lábios, se ouve um gemido lastimoso. A figura coberta com uma indumentária de um peregrino permanece na escada com um terrível gesto de súplica. Margarita sai espavorida à procura do pároco, e este a aconselha a colocar-se em comunicação com aquele ser atormentado e que lhe peça um sinal bem visível. Margarita volta à sua casa e, com voz entreolhada de medo, pede que diga o que deseja. “Sou tua sogra falecida de parto faz trinta anos. Vai em peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora de Marlenthal e manda celebrar duas missas por mim”.
A senhora Demmerlé, que efetivamente comprovou a característica da morte da sogra, atendeu ao pedido da “aparição”, que voltou a manifestar-se para dizer que se havia livrado do purgatório. Em seguida, pousou sua mão no livro Imitação de Cristo e deixou sobre uma de suas páginas estranhas queimaduras correspondentes à ponta de seus cinco dedos, que indicavam toscamente o final de um capítulo em que dizia: “[…] estou carregado de pecados, envolto em tentações, e não há quem me valha, quem me livre e me salve a não ser Tu”.
A impressão da “mão de fogo” foi tão forte que chegou a atravessar de cinco a nove páginas. As autoridades eclesiásticas consideram este e outros fenômenos iguais, avalizados por testemunhos e protagonistas de absoluta segurança, por estarem embasados em inegáveis garantias, como absolutamente reais.
No mosteiro italiano de Santa Clara do Menino Jesus de Bastia, se conserva uma detalhada documentação do caso n. 6 do Museu. No convento, jazia de cama a irmã Maria de São Luiz Gonzaga, arquejada por fortes dores e febre, tosse e asma, e tão grandes chegaram a ser seus sofrimentos que desejava morrer para que seus padecimentos tivessem fim. Passados alguns dias, efetivamente morreu, precisamente no dia 5 de junho de 1894. Na mesma noite, apareceu vestida de Clarissa, sendo nitidamente reconhecida pela irmã Margarida del Sagrado Corazón, e disse que se encontrava no purgatório, onde deveria permanecer por mais vinte dias (20) para expiar seus desejos de morrer mais cedo do que devia, abreviando sua agonia. Pediu orações e prometeu voltar de novo, mas deixou a marca de fogo de seu indicador num travesseiro.
Uma outra irmã, antes falecida, apareceu também, deixando uma marca de fogo no avental de uma assustada freira. Os fatos são muitos, e o relato de todos ocuparia um livro, Ao sairmos do museu, um pouco aturdidos com o estranho mundo que nos foi dado vislumbrar, uma pergunta salta à nossa mente: que opina a Igreja Católica, Apostólica Romana sobre tudo isso? Oficialmente, ela ainda não se pronunciou, mas o fato que albergue sob sua guarda essas manifestações, sem dúvida, nos leva a crer que ela não exclui o fato para normal ou sobrenatural.
O padre Ernesto, sacerdote que atualmente dirige o Museu, nos esclarece o seguinte: “A Igreja condena a possibilidade de evocar os Espíritos dos defuntos mediante a prática dos médiuns. Aqui se trata de outra coisa. São Espíritos que espontaneamente se manifestam para pedir orações e deixaram marcas de sua passagem”. O padre termina lembrando uma passagem da vida de São João Bosco, que não difere dos que aqui estão recolhidos. Trata-se do que ocorreu a D. Bosco quando se fez amigo de um colegial chamado Camollo. Os dois combinaram que o que morresse primeiro viria tranquilizar o outro quanto à salvação eterna. Camollo morreu primeiro, e uma noite Dom Bosco estando preocupado com a sorte da alma do amigo, ouviu o ruído de um carro que fez tremer as paredes, o estrondo foi tão grande que os outros clérigos chegaram a abandonar seus leitos. No melo daquele fragor, ouviu-se claramente por três vezes o defunto gritar: “Bosco, me salvei”. D. Bosco, em suas confissões, disse que tal fato chegou a enfermá-lo.