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Dignidade na morte: reflexões sobre o suicídio assistido e o sofrimento humano

“Queridos amigos. Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. […] Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade”. Esse é um pequeno trecho da carta escrita pelo poeta e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Antonio Cicero, 79 anos, que se submeteu a um procedimento de suicídio assistido em outubro de 2024 na Suíça, país em que isso é legalizado. Sua decisão acendeu mais uma vez o debate sobre eutanásia, suicídio assistido e dignidade da morte. Teria sido uma atitude de coragem, como sinalizaram alguns? Uma morte assim traz mesmo dignidade?

Sobre esse tema, conversamos com Luís Gustavo Mariotti (foto), médico geriatra com área de atuação em Medicina Paliativa, médico assistente do Serviço de Cuidados Paliativos do HC Unesp/Botucatu e do Núcleo de Suporte e Cuidados Paliativos do Hospital Beneficência Portuguesa, membro da Associação Médico-Espírita de Botucatu e coordenador do Departamento de Cuidados Paliativos da AME-Brasil.

Folha Espírita – Como você enxerga a decisão pelo suicídio assistido do Antonio Cicero, poeta imortal da ABL?

Luís Gustavo Mariotti – Primeiramente, penso ser muito importante deixar nossos profundos sentimentos e votos de paz aos familiares, amigos e fãs do poeta, filósofo e escritor Antonio Cicero. Imagino que não deva ter sido fácil essa tomada de decisão em todos os sentidos. Aqui não cabe o julgamento à pessoa, mas, sim, uma breve reflexão sobre o sofrimento humano. O suicídio assistido, que se caracteriza por auxiliar a pessoa nas informações ou nos meios necessários para cometer o suicídio, incluindo aconselhamento sobre doses letais de fármacos e prescrição ou fornecimento desses fármacos, é uma prática medicamente assistida que é legalizada em alguns países, como Suíça, Colômbia, Canadá e em alguns estados dos Estados Unidos. Já em países como Bélgica, Holanda e Luxemburgo, tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido são legalizados. Do ponto de vista do sofrimento humano, entendo que as pessoas que pedem pelo abreviamento da vida física estejam pedindo, na verdade, pelo alívio do sofrimento multidimensional que as acomete. O ser humano carrega consigo o senso de autopreservação natural que direciona sua vida. O sofrimento pode ser intolerável quando não há o cuidado adequado desse sofrimento, incluindo o físico, o emocional e o existencial.

FE – Você poderia comentar esta frase do poeta: “O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem. Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. […] Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade”.

Mariotti – O sofrimento psíquico e existencial (com a perda de sentido) me parece presente em sua fala. Para aqueles com comprometimento cognitivo, sobretudo nas fases mais leves do quadro demencial, a percepção das falhas de memória é algo bem significativo e que pode trazer angústia. Por outro lado, os recursos para amenizar essas perdas, como reabilitação cognitiva, readequação de rotinas, suporte social e apoio emocional e espiritual, são valiosos instrumentos para o enfrentamento dessa condição. Dignidade é um estado ou qualidade relacionada a sentir-se digno de honra e respeito ou autoestima. No contexto de adoecimento grave, a perda da dignidade está associada às preocupações com “situações inacabadas”, às mudanças na identidade e no funcionamento do seu papel social, à perda da independência, ao legado, ao propósito da vida, ao sentir-se espiritualmente desconectado ou, até mesmo, sentir-se sem apoio ou incompreendido pela família, amigos ou prestadores de saúde. Além disso, fatores como sintomas físicos descontrolados (dor, náusea, fraqueza, falta de ar), depressão, ansiedade e alterações cognitivas também resultam em perda do senso de dignidade.

Portanto, é preciso diferenciar bem o que é viver com dignidade e morrer com dignidade. Penso sobre algo que é fundamental nessas condições: a relação entre o profissional da saúde e o paciente. Ela pode ser uma importante fonte de consolo e segurança para os pacientes e suas famílias. É preciso sempre haver boa comunicação para fornecer suporte necessário e sensação de segurança, também contribuindo para o alívio do sofrimento.

FE – O escritor, poeta e crítico literário Silviano Santiago lamentou a morte de Cicero dizendo: “Cicero teve de enfrentar a morte de uma maneira quase socrática, como se, de antemão, condenado pela morte. Surge a coragem, que é muito importante na poesia dele. A coragem de um ato elegante diante da inexorabilidade da morte. Essa carta, esse diálogo dele com a morte, vai inspirar reflexões muito profundas, sobretudo entre aqueles que se aproximam desse momento”. Como você avalia esse depoimento?

Mariotti – Sócrates foi denunciado como subversivo, por não acreditar nos deuses da cidade, e foi acusado por corromper a mocidade. A condenação foi a morte. Convidava os jovens a refletir, meditar por si mesmos e, por isso, era temido pelos políticos da época. Ele foi precursor de alguns princípios cristãos que seriam mais tarde trazidos e esclarecidos por Jesus, como a imortalidade da alma e a existência da vida futura. A morte de Sócrates não se assemelha de forma alguma com o pedido de morte abreviada pelo escritor. Conviver ou ser portador da Doença de Alzheimer não é sentença de morte, como alguns querem sinalizar para a sociedade. Se assim fosse, ser portador de diabetes, sobretudo nos casos insulinodependentes, doença renal crônica, lúpus, doença cardíaca e câncer também remeteriam a condições intoleráveis. E isso não é verdade. Coragem e elegância são características que talvez muitos de nós não tenhamos diante do sofrimento, sobretudo quando este não é acolhido, suportado, quando estamos sozinhos, sem apoio, desesperados ou desesperançosos. Há uma frase de Viktor Frankl, eminente psiquiatra que viveu nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, que nos faz refletir mais profundamente sobre sofrimento e coragem: “O sofrimento não é caminho indispensável para encontrar o sentido na vida. O sofrimento inevitável, abraçado com coragem, é heroísmo”. Assim, pergunto aos leitores: o que o materialismo nos convida: à vida sem sentido ou à vida com verdadeiro heroísmo? Por que viver também está associado a algum grau de sofrimento.

FE – O jornal O Globo descreveu que Antonio Cicero menciona a palavra “eutanásia” em sua carta e informa: “A origem da palavra vem do grego e significa ‘boa morte’. Ela consiste na aplicação de uma dose letal de algum remédio por um médico que esteja acompanhando o tratamento de um paciente em estado terminal, sem perspectiva de melhora. O que é permitido na Suíça, e também em outros países, na verdade, é o suicídio assistido, quando o próprio paciente toma o remédio letal. É usado na maioria das vezes também por pacientes em estado terminal, que sofrem de doenças incuráveis”. Ou seja, ele tomou um remédio letal. Como funciona isso?

Mariotti – Definição de boa morte pode ser utilizada de diversas formas. Segundo a enfermeira e paliativista portuguesa Patrícia Coelho, “a boa morte precisa ser tratada de forma individual, se está sem dor ou sintomas, se está em um ambiente familiar na companhia de amigos e familiares. É missão dos profissionais de saúde não apenas lutar contra a doença, mas também aliviar o sofrimento até o fim da vida”.

Geralmente, os pacientes oncológicos são os principais solicitantes da eutanásia ou do suicídio assistido, embora tenha havido um aumento dos pedidos por pacientes com doenças neurodegenerativas. Dentre os principais motivos, destacam-se a perda de autonomia, os encargos financeiros, a incapacidade de se envolver em atividades prazerosas, a perda de dignidade, a perda de controle das funções corporais e as preocupações sobre ser um fardo para os outros, além da presença de sintomas não controlados.

Segundo a visão médico-espírita, a boa morte significa a desintegração do corpo físico no tempo natural, em que paciente e familiares são bem cuidados, a obstinação terapêutica é evitada, tendo a compreensão de que o fenômeno da morte é acompanhado da desencarnação, em que o Espírito abandona o corpo físico naturalmente e retorna à sua verdadeira Pátria – o mundo espiritual. E podemos ir mais além: a boa morte deveria ser a compreendida como a jornada temporária do Espírito Imortal que se encerra na matéria após o esforço individual na conquista do seu aperfeiçoamento moral, deixando um legado de amor ao semelhante e respeitando a vontade e as leis divinas.

FE – Também gostaria que comentasse esta frase dele: “Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo”.

Mariotti – É preciso compreender que há discrepâncias entre o que pensamos que seja correto e aquilo estabelecido perante as leis divinas. Há religiosos que são mais palavrosos e menos cumpridores das lições de Cristo que os ateus. Todos merecem nosso respeito e compreensão. No entanto, como nos diz irmão Jacob, no livro Voltei, pela psicografia de Chico Xavier: “Se o homem soubesse a extensão da vida que o espera além da morte do corpo, certamente outras formas de conduta escolheria na Terra!” Para que haja verdadeira compreensão da vida, é preciso humildade e esforço individual no educandário da existência humana. A decisão do tempo de nossa permanência no plano físico não está condicionada plenamente à nossa vontade.

FE – Como uma notícia como essa impacta os pacientes, principalmente da geriatria? Hoje em dia, as pessoas idosas estão conectadas nas redes sociais. Que recado você deixa para as pessoas que estão vivendo a mesma situação?

Mariotti – Frustra-me muito a ideia de que uma vida inteira com suas realizações e potencialidades se encerre de forma tão trágica, em que há o predomínio da visão materialista e hedonista sobre a vida e a crença equivocada de que o sofrimento termina com a morte do corpo físico. Quantas histórias bem vividas, quantos laços e ressignificados, quantas experiências de amor, de cuidados, de renúncia e humildade ocorrem por diversas vezes onde o adoecimento cognitivo se faz presente.

Quando nos abstemos de viver com sentido, perdemos a nossa própria humanidade. Ouvi uma frase outro dia e aproveito para compartilhar: “tristezas inexplicáveis estão à espera de todos nós”. O sentido da vida, segundo Albert Camus, é questão existencial mais urgente de nossa humanidade e se associa ao como aceitamos o destino. Se temos um vazio existencial, é preciso dar a oportunidade de preencher a alma. Desenvolver afetividade, relações saudáveis e de suporte, esperança, empatia, solidariedade e oferecer atendimento multidimensional ao paciente, aos seus familiares e cuidadores para o melhor enfrentamento da condição de adoecimento são recursos possíveis de serem instituídos por toda a sociedade.

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