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irVivemos uma epidemia das chamadas síndromes demenciais, em que a Doença de Alzheimer (DA) é a protagonista principal. No Brasil, há uma estimativa de que 1,2 a 1,5 milhão de pessoas vivam com demência, sendo o Alzheimer responsável por aproximadamente 50-60% dos casos. A prevalência da DA em pessoas com mais de 65 anos varia de 7% a 9%, podendo atingir até 25-30% em indivíduos acima de 85 anos.
Trata-se de uma condição ou doença neurodegenerativa, incurável (por ora), progressiva, que compromete gradualmente algumas funções cognitivas como a memória, a linguagem, a capacidade visuoespacial, a atenção, as funções executivas e também afeta o humor ou o comportamento. Paulatinamente, ocorre a perda da capacidade de se realizar tarefas de forma independente e da autonomia, na tomada de decisões.
Como seu curso pode ser longo (de anos a décadas), as consequências dessa condição afetam cônjuges, filhos, netos e amigos. Seu impacto não é apenas o desgaste físico, mas emocional, social e espiritual ao longo da trajetória da doença.
Recentemente, experienciei um fato em minha vida. Na manhã do dia de Natal, ao me levantar, abri o armário da cozinha onde estava hospedado e fui surpreendido por encontrar uma garrafa de espumante ainda com o conteúdo que restou da noite anterior. Ela foi deixada ali por uma pessoa muito querida e amada com diagnóstico de Demência de Alzheimer.
Com certeza, tempos atrás, essa pessoa guardaria a mesma garrafa com champanhe na geladeira, jamais no armário. Isso me provocou uma sensação muito angustiante e preocupante. Por outro lado, como médico, imediatamente pensei que não sou o único a vivenciar esse tipo de situação. Muitos dos meus pacientes e seus familiares que acompanho já passaram por uma situação parecida: em que objetos são guardados em locais que habitualmente não deveriam estar ou não são mais encontrados.
O interessante disso tudo foi que no mesmo dia, no almoço do dia 25, esse ente querido estava dançando e curtindo seus principais repertórios musicais com seus familiares e amigos próximos, como se nada disso tivesse acontecido. Era como se a garrafa tivesse sido colocada corretamente no seu devido lugar: na geladeira.
O paciente portador da síndrome demencial continua sendo o que ele sempre foi: ele mesmo. Não podemos jamais confundir os valores, as crenças, as realizações e os vínculos construídos ao longo da vida por essa pessoa com sua condição de perda de memória e capacidades de execução de tarefas. A identificação das suas necessidades e a supervisão de suas tarefas (ou até mesmo fazer por ele) devem estar alinhadas, ao mesmo tempo, à valorização e ao respeito pela sua história biográfica ou sua personalidade. Separar emocionalmente, quando possível, os comportamentos relacionados à doença das características pessoais anteriores é o grande desafio por parte dos familiares para a compreensão e aceitação dessas experiências.
A condição é assustadora, num primeiro momento, quando você observa que alguém que você tanto ama passa a ter dificuldades para desempenhar algumas tarefas que antes eram realizadas de forma adequada e sem supervisão alguma. Além do fato de ter sido sempre ativo, com alta escolaridade e muito prestativo.
“No contexto espírita, o Alzheimer é, portanto, visto não apenas como uma doença, mas também como um fenômeno que integra os desafios e os propósitos da existência terrena.”
E como lidar com tudo isso? Penso que não há resposta única e definitiva. A tarefa é complexa, assim como a doença. As recomendações que encontramos na ciência e nas experiências compartilhadas por familiares de pacientes com demência podem nos ajudar no enfrentamento e nos cuidados. Segue algumas delas:
A resposta para essa pergunta é ainda mais delicada, mas tenho convicção de que isso passa pela nossa espiritualidade. Isso porque a abordagem desse contexto deve combinar aspectos físicos, emocionais, sociais e espirituais. A visão médico-espírita nos traz algumas reflexões:
Doenças como o Alzheimer podem ser formas de o Espírito vivenciar o desligamento gradativo da matéria, preparando-o para a transição ao plano espiritual de maneira mais suave. No contexto espírita, o Alzheimer é, portanto, visto não apenas como uma doença, mas também como um fenômeno que integra os desafios e os propósitos da existência terrena.
Luís Gustavo Langoni Mariotti é médico com especialização em Geriatria pela Escola Paulista de Medicina, com área de atuação em Medicina Paliativa, e coordenador do Departamento de Cuidados Paliativos da Associação Médico-Espírita do Brasil (AME-Brasil).