A catástrofe climática no Rio Grande do Sul

Carlos A. Durgante

“A solidariedade liga todas as existências do
mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo
e os seres de todos os mundos”

(Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo).

Como a aurora precursora
Do farol da divindade,
Foi o Vinte de Setembro
O precursor da liberdade.
Mostremos valor, constância,
Nesta ímpia e injusta guerra;
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda a terra.
Entre nós revive Atenas
Para assombro dos tiranos;
Sejamos Gregos na glória
E na virtude, romanos.
Mostremos valor, constância,
Nesta ímpia e injusta guerra;
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda a terra.
Mas não basta, pra ser livre,
Ser forte, aguerrido e bravo;
Povo que não tem virtude,
Acaba por ser escravo.
Mostremos valor, constância,
Nesta ímpia e injusta guerra;
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda a terra.
(Hino do RS)

Não foi no Vinte de Setembro, mas tudo começou da tarde para a noite de um 29 de abril que os céus desabaram em forma de chuva em boa parte do nosso estado. Na madrugada de 29 para 30, inúmeras cidades próximas aos vários rios que formam a bacia hidrográfica do Lago Guaíba, que banha Porto Alegre, se viram inundadas por tanto volume de água que caía. E não atenuou nos dias seguintes, pelo contrário, em uma ferocidade jamais vista, enormes precipitações aumentavam o tamanho dos rios, e estes, inevitavelmente, saíam de suas calhas e invadiam as terras próximas e distantes de seu leito, causando inúmeros estragos ao patrimônio dos municípios e à manutenção da vida de uma forma geral.

A exemplo de uma grande árvore com raízes amplas e profundas, o nosso estado possui muitos rios de tamanhos, extensões e alcances variados, por isso o que estamos vivenciando hoje nunca havia sido registrado antes. Cidades quase que inteiramente foram “removidas do mapa”, faltou pouco para verem seu Código de Endereço Postal (CEP) desaparecer. Estradas, pontes, viadutos, todo tipo de construção residencial, comercial, empresarial, social, religiosa, educacional, cultural, barragens, estações de tratamento de água, abrigos, lares geriátricos, hospitais e clínicas e muitos outros foram afetados em diferentes graus de intensidade. Nem os animais ficaram isentos da devastação, dos pets aos cavalos, a natureza em fúria não poupou ninguém!

Passados quase 10 dias, algumas situações se resolveram total ou parcialmente, como, por exemplo, a baixa das águas em algumas regiões, mas em outros locais, como a capital dos gaúchos, a minha Porto Alegre querida, e sua região metropolitana, novos problemas e desafios surgiram, agravando o momento que estamos vivendo.

Assim como ocorre nas eleições para governador do estado, por exemplo, o Tribunal Regional Eleitoral de Porto Alegre recebe votos de todo o estado. O nosso Lago Guaíba recebeu água de diversos outros que deságuam em seu leito, e a capital quase naufragou. Extensas áreas de uma cidade com 1.3 milhão de habitantes foram e estão inundadas ainda. Muitos bairros sem água, luz e/ou Internet, aeroporto fechado, rodoviária com 5% de funcionamento, várias estradas alagadas ou interrompidas por desabamentos. Viramos uma ilha!

Bem, caro leitor, esse é um breve e triste relato das consequências de um fenômeno telúrico de enormes proporções que atingiu o nosso estado, mas uma nova inundação, essa de diferente natureza, está ocorrendo em nossos pagos.

As ondas de solidariedade

“Não deveria ser assim, mas muitas vezes, de tempos em tempos, nos deparamos com acontecimentos, na maior parte das vezes, trágicos, que nos tocam profundamente, nos emocionam e nos impulsionam a sair da nossa zona de conforto. Pena que, frequentemente, a mobilização desses nobres sentimentos altruístas e compassivos tenha como origem a ocorrência de tragédias que evidenciam os mais cruéis flagelos humanos. Também nos deparamos com ações e gestos solidários que brotam dessa imensa capacidade que o ser humano tem de se envolver com a dor e sofrimento de seus semelhantes, ultrapassando todas as barreiras, constituídas pelas discriminações e pelos preconceitos, seja de que natureza forem. O mais bonito disso tudo é que brotam, espontaneamente, do singelo desejo de ser bom e útil a quem estiver necessitado, levando-se sempre em consideração as ferramentas que trazemos conosco, fruto das nossas conquistas e dos progressos na seara do bem. Inúmeros são os exemplos de ações solidárias nascidas da necessidade de se fazer algo mais, de colocar a ‘mão na massa’, de edificar e fazer a diferença, e não apenas contemplar e permanecer inerte diante dos fatos. Algumas situações envolveram tragédias humanas, mas outras surgiram espontaneamente movidas pela generosidade humana”.

Extraí esse texto do livro O que temos de melhor em nós, de minha autoria, onde me aprofundei nas virtudes que o ser é capaz de possuir e compartilhar, especialmente a solidariedade, empatia e compaixão, porque são os sentimentos que melhor demonstram o que temos de melhor em nós.

Aqui no Rio Grande do Sul, essa bondade e essa generosidade humanas estão acontecendo com a mesma intensidade do volume das águas. Eis alguns exemplos:

  • inúmeras instituições públicas ou privadas cederam suas sedes para receberem doações de qualquer natureza, bem como centenas de abrigos foram abertos para acolherem milhares de desabrigados;
  • toneladas de donativos (alimentos, roupas, água etc.) chegam aos abrigos e pontos de coleta, chegando a congestionar a cidade para o nobre ato de doar;
  • no caos da enchente, inúmeros heróis anônimos socorrem e acolhem os necessitados;
  • voluntários se reunindo para fazer marmitas/quentinhas, lanches para alimentar os desabrigados;
  • doações em espécie de expressiva quantia;
  • “zonas de guerra” montadas à beira da orla do Guaíba para receber desalojados das ilhas que existem em Porto Alegre;
  • inúmeras pessoas e instituições auxiliando os animais perdidos e/ou abandonados;
  • pilotos profissionais ou amadores de Jet-skis se uniram para ajudar nos resgates, inclusive vindos de outros estados;
  • pilotos ou proprietários de barcos também se uniram para ajudar;
  • hospitais cederam médicos para atendimento nos albergues temporários em Porto Alegre;
  • cantores, artistas, jogadores e ex-jogadores de futebol utilizando seus canais de influência para arrecadar recursos de todo tipo;
  • centenas de médicos se cadastrando para atendimento médico voluntário;
  • empresários do norte do estado cederam aeronaves para ajudar no transporte de donativos;
  • uma enorme corrente do bem ocorreu nas redes sociais, principalmente no WhatsApp, onde informações de utilidade pública (e também de fake News, mas desse lado perverso do ser humano, não vamos falar aqui) eram veiculadas a cada segundo, beneficiando comunidades inteiras que estavam sem comunicação.

Bem, caro leitor, eu poderia relatar mais exemplos, mas esses são suficientes para evidenciar como o ser humano é bom em sua essência. Em 2015, um belíssimo documentário intitulado A revolução do altruísmo (The Altruism Revolution), produzido por documentaristas franceses, veio jogar luz na teoria de que cooperação e altruísmo estão mais na essência do ser humano que o egoísmo. Com base em estudos de diversos psicólogos, neurocientistas e demais pesquisadores do comportamento humano, podemos afirmar que nascemos com esse impulso altruísta, e é com o tempo e com a convivência social que nos tornamos mais individualistas e centrados nos próprios interesses.

Para não esquecer: somos naturalmente altruístas! Como diz o nosso hino:

Mas não basta, pra ser livre,
Ser forte, aguerrido e bravo;
Povo que não tem virtude,
Acaba por ser escravo.
E esse povo tem muitas virtudes, graças ao Patrão Celestial!