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As lembranças onde moramos

relógio, despertador
Relógio branco em fundo amarelo

“Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”

(Mateus 6:21).

Outro dia me lembrava dos tempos felizes da infância…

Semana passada me recordava das alegrias da juventude…

Quando eu era garoto, assistia a um filme de ficção chamado O túnel do tempo, em que os personagens viajavam para o futuro e o passado vivendo suas aventuras. O quanto dessa realidade ficcional, tão saudosa, pode revelar ao coração de um ser humano que, por vezes, gostaria de voltar a visitar as lembranças afetuosas e alegres do passado?

Da mesma forma, vivemos dores no presente que nos fazem ter vontade de entrar num túnel do tempo para dar um salto mais adiante e nos livrar delas. No universo da imaginação, seria muito bom se pudéssemos criar um imenso túnel do tempo para arrojar todo planeta em seu interior e, dessa forma, vivermos um período sem a mediocridade das guerras, dos preconceitos, da fome e de tantas outras misérias nascidas do desamor entre os homens.

No campo da ficção, tudo é possível, mas a vida não funciona assim, e cada ser humano é um universo em particular. O filósofo René Descartes celebrizou-se pela inesquecível frase: “Penso, logo existo”. Sim, pensamos e existimos, logo nos situamos em algum lugar físico, ou nos colocamos em um “espaço mental”, mas onde escolhemos nos situar? Invariavelmente, buscamos sempre os momentos felizes em nossa memória para morar nas lembranças das coisas boas que vivemos. Moramos onde pensamos, e o endereço é de livre escolha, no passado feliz ou doloroso, ou no futuro como rota de fuga para a dor que hoje fustiga a nossa alma.

Quase a totalidade dos pacientes que atendo, tanto adultos quanto adolescentes, buscam no passado as alegrias e o afeto que podem lhes servir de abrigo no enfrentamento do sofrimento atual. É natural que seja assim, pois, por sua natureza, o homem precisa de certezas para viver, e mesmo que sejam momentos passados, se foram vivências felizes, é nelas que queremos morar. É um processo inconsciente de defesa psíquica, e as boas lembranças podem ser guardadas nas gavetas da nossa memória, todavia, existem também muitas recordações que nos aprisionam, atuando como cárceres mentais onde muitos escolhem morar.

O saudoso cantor e compositor Belchior, dentre tantas composições marcantes criadas por sua rara sensibilidade, contribui com a nossa reflexão com uma frase marcante da música Velha roupa colorida: “O passado é uma roupa que não nos serve mais”.

Sei que você tem um CEP, que define seu endereço residencial neste momento e é nesse código de endereçamento postal que suas correspondências e entregas chegam. Mas onde você mora de verdade? Dentro de um túnel do tempo, indo e vindo do passado? Onde está seu coração?

Se olharmos para o túnel imaginário, encontraremos pessoas que se despediram do nosso convívio e adentraram a cidade das nossas memórias, onde as buscamos para sentir o cheiro, o calor do corpo, o gosto do beijo. Quando as coisas não andam muito bem em nossa vida, buscamos a segurança do passado feliz que tivemos; o início do casamento, que hoje pode não ir tão bem, do amigo que desertou do caminho, porque hoje a solidão nos visita.

Quando Jesus nos esclarece sobre estar com nosso coração junto ao tesouro que escolhemos cultivar, Ele alerta sobre a vida e as escolhas que fazemos e, principalmente, onde decidimos morar psiquicamente. É na mente que a vida se elabora, pois de fato residimos nas construções mentais que elegemos. O pensamento consegue erigir colônias prisionais terríveis com muros de ódio e rancor, com grades de pessimismo e usura. De outra parte, as boas lembranças, uma vez cultivadas, são instrumentos que fomentam a fé e a esperança, potencializando o desejo de viver.

No livro Pensamento e vida, o benfeitor Emmanuel reforça o entendimento do quanto é importante organizar nossos pensamentos, para “morarmos” mentalmente em realidade psíquica confortável e higienizada. Diz o amigo espiritual:

“A mente é o espelho da vida em toda parte. Ergue-se na Terra para Deus, sob a égide do Cristo, à feição do diamante bruto, que, arrancado ao ventre obscuro do solo, avança, com a orientação do lapidário, para a magnificência da luz. Nos seres primitivos, aparece sob a ganga do instinto, nas almas humanas surge entre as ilusões que salteiam a inteligência, e revela-se nos Espíritos Aperfeiçoados por brilhante precioso a retratar a Glória Divina. Estudando-a de nossa posição espiritual, confinados que nos achamos entre a animalidade e a angelitude, somos impelidos a interpretá-la como sendo o campo de nossa consciência desperta, na faixa evolutiva em que o conhecimento adquirido nos permite operar. Definindo-a por espelho da vida, reconhecemos que o coração lhe é a face e que o cérebro é o centro de suas ondulações, gerando a força do pensamento que tudo move, criando e transformando, destruindo e refazendo para acrisolar e sublimar”.

Em qual endereço está residindo a nossa mente? O gosto das boas lembranças pode temperar nossa coragem e fé, mas é preciso ter cuidado com o passado que fomenta a desesperança. Como afirma Emmanuel, a mente é o espelho da vida que elegemos viver.

Referência

EMMANUEL (Espírito). Pensamento e vida. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. Brasília, DF: FEB, 2013.

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